#PrideMonth: Especial literário LGBTI+





#PrideMonth

Em 28 de junho de 1969, a polícia invadiu um bar sem avisar. Este bar era o Stonewall Inn e seus frequentadores, velhos conhecidos da polícia que abordava o local rotineiramente. Mas aquela noite seria diferente: quando os policiais tentaram prender as pessoas que se encontravam no bar, elas resistiram.

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Revolta de Stonewall, Junho de 1969
Fonte:  BBC News
Estas pessoas, excluídas da sociedade encontravam ali um refúgio, apesar de algumas ainda seguirem uma lei que, vejam só, dizia que homens e mulheres deveriam usar pelo menos três peças de roupa de seu gênero, se não, iriam presas. Liderando a briga – e dizendo ter atirado o primeiro copo de vidro em um policial – estava Marsha P. Johnson.
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Marsha, como as trans e travestis que usavam o bar, faziam do bar um local onde podiam existir sem tantas restrições. Mais tarde, ela seria uma das fundadoras da Frente de Liberação Gay e uma das principais vozes nas manifestações por direitos civis após a Stonewall. Viveu até 1992, quando foi encontrada no leito do rio Holland, possivelmente assassinada pela polícia, que afirmava ter sido um suicídio.
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Os direitos civis dessas pessoas seriam reconhecidos gradativamente, mas um dos últimos estados seria onde tudo começou – Nova York, em 1980.
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50 anos depois da “revolta” que retirou do bar de Stonewall os ideais do Orgulho LGBTI+ com jatos d’água e enfrentamento policial, a cultura pop e o mundo mais do que nunca absorvem em músicas, filmes, vídeos, e claro, na literatura, estas pessoas que ainda lutam por acesso a direitos civis. Mas muita coisa ainda precisa mudar.

Literatura & diversidade

A temática, como qualquer coisa que envolva o diferente, já foi censurada e mesmo malvista por tempos, mas vem constantemente conquistando espaço e se expandindo pelos mais variados temas. Isso é importante porque, de alguma forma, muita gente ainda liga literatura LGBTI+ apenas ao erotismo, outras só a resumem as questões de gênero e sexualidade. A diversidade também se apresenta no que é escrito — ou assim devia ser.
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Você sabia que uma das primeiras obras LGBTI+ da literatura moderna tem como personagem central uma vampira lésbica? Carmilla, de Sheridan Le Fanu, em 1862, viria a inspirar o famoso Drácula. Dorian Gray, de The picture of Dorian Gray, o primeiro bissexual, numa obra de Oscar Wilde, em 1890.
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Pessoas LGBTI+ estão e sempre estiveram na literatura, embora nem sempre o tema seja apresentado de forma explícita ou mesmo desfocado da letra G.
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A cultura ocidental favorece a masculinidade, e isso não mudou de Stonewall pra cá, mesmo que muita gente venha se esforçando pra isso. Lá, homens gays e principalmente brancos, não queriam que trans e travestis protagonizassem as lutas por direitos – Frente de Liberação Gay, lembra? No Brasil, isso era natural até meados de 2008, quando a (associação responsável) passou a adotar o termo LGBT+, como uma tentativa de diminuir o apagamento lésbico e a inclusão dos bissexuais na sigla e comunidade.
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Mas ainda assim, você ainda não costuma ver com tanta frequência por aí personagens lésbicas, e ainda menos, bissexuais, trans, travestis ou intersexuais, principalmente nas obras destacadas da categoria no Wattpad ou Amazon, por exemplo.
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Outra questão problemática são as caricaturas. Você já deve ter visto o personagem gay mal-amado e de humor ácido, o gay padrão feito para excitar quem lê as histórias, a lésbica santa e a safada, o clássico rica e poderosa x trabalhadora. Não há preocupação em diversificar os temas, os storylines; as fórmulas dão certo, o top #3 LGBT+ do Wattpad apresenta livros com um ou mais desses clichês, é dominado por histórias gays e muitas, eróticas.
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É a principal questão, por exemplo, de se definir o que é ou não literatura LGBTI+, feminina etc., por muitas vezes se associar o gênero literário a estereótipos dessas “caixinhas”, é o que Taty Leitte fala em vídeo sobre LGBT na literatura, com a youtuber e mestra em literatura Louie Ponto, sobre a importância de se demarcar a literatura LGBTI+ e o orgulho do grupo em poder se apoderar destes espaços.

É neste sentido, também, que elas lançam o questionamento: o que torna uma literatura LGBTI+? E as respostas podem ser inúmeras, dependendo de que ponto de vista você escolhe. O autor desse post – eu – concorda com a visão da Taty: um autor heterossexual pode retratar personagens LGBTI+, mas isso não necessariamente torna a obra parte desse grupo, porque o autor não tem a vivência das pessoas que retrata.
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“Ah, mas ele tem liberdade poética”.
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Óbvio. Entretanto, num mundo em que ser LGBTI+ ainda é crime em muitos países (inclusive punidos com pena de morte em alguns), num país que mais mata pessoas trans (o Brasil mata mais que os dois colocados seguintes – México [71] e EUA [28] –, 167 entre out/2017 a out/2018), é sensível ver pessoas que não vivenciam essa vulnerabilidade ter o protagonismo. É, por exemplo, extremamente difícil ter publicações de sucesso de pessoas trans e travestis — grupos onde a instrução é baixa e o apoio editorial também. É aí onde apoio ao protagonismo queer na literatura é tão necessário.
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É fundamental reconhecer as pessoas que escrevem e vivem isso. Grandes autores brasileiros, por exemplo, preferiram esconder a si próprios por pressões da sociedade da época – Mário de Andrade e Álvares de Azevedo, que apenas se soube disso por cartas após as mortes.
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Outros, porém, resolveram rasgar o silêncio: foi o caso de Caio Fernando Abreu. O escritor descobriu ter contraído HIV pouco tempo antes de morrer, e então, começou a falar sobre sua situação de forma indireta (e denunciar a epidemia da doença nos anos 80) na série de textos Carta para além dos muros, sendo a última publicada dois meses antes de sua morte. Também foi o caso de Gilberto Freyre, que escreveu o polêmico Dona Sinhá e o filho do padre, onde o protagonista é gay; e ainda, de Cassandra Rios que já em 1948, com A volúpia do pecado, falava de prazeres femininos e relações lésbicas.
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Por sorte, muita gente se dedica a ecoar as palavras e fazer da literatura mais uma forma de resistência LGBTI+, como pessoas que catalogam livros (para ler a sequência de tweets, clique aqui):
Assim também como há outros projetos de apoio editorial, como o projeto literário Padê, do Distrito Federal, que publica livros de escritores LGBTI+, negros e periféricos, com tiragem artesanal, mas que ajuda a propragar a literatura marginalizada.
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A literatura é TRANSformadora e deve ser inclusiva; ocupar estes espaços é fundamental, online ou fisicamente.
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Indicações:
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1. A morte e a vida de Marsha P. Johnson - Documentário



3. Minha versão de você - Christiana Lauren
Conta a história de amor de Tanner, um menino californiano bissexual que se muda para Utah e lá, no finalzinho do ensino médio, se apaixona por Sebastian, que enfrenta mil e um questionamentos. Tanner é bissexual e o livro se torna ainda mais fascinante por retratar a bissexualidade do ponto de vista dele.

4. A forma da água - Daniel Kraus & Guilhermo del Toro
Obra muito interessante sobre as pessoas que são excluídas pela sociedade. 
Adaptada ao cenário da Guerra Fria, um dos personagens, Giles, é um artista homossexual já idoso que vive sua vida entre tropeços e inseguranças. A história do Giles tem uns ganchos incríveis de tomada de consciência sobre minorias, resignificação da arte e recomeços. Pra quem viu o filme e gostou, o livro é simplesmente mais apaixonante.

5. Vozes transcendentes, os novos gêneros da música brasileira - Larissa Moreira
Repleto de depoimentos de artistas LGBTI+ nacionais contemporâneos. Cada um conta sua história de vida, sua relação com a arte e seus enfrentamentos ao fazer música.
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5. Vem comigo
Não, esse não é mais uma romance água com açúcar.

6. Revista Galileu - LGBT+ na literatura de horror: a baixa representatividade é que assusta
Reflexões importantes sobre porque mais pessoas LGBTI+ não estão ocupando a literatura de horror e indicações, tudo isso pelo olhar de um ótimo ficcionista de horror.

Algumas indicações & comentários são de autoria de Viviane e foram adaptados para o blog.

Serviu de fonte para construir este material:
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BBC News (em inglês) - Stonewall: a riot that change million of lives.

Correio Brasiliense - Brasil lidera ranking mundial de assassinatos de transexuais.
Nexo Jornal - A trajetória e as conquistas do movimento LGBT brasileiro.
Revista Híbrida - Marsha P. Johnson, de Stonewall ao fundo do rio Holland.


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